sábado, 6 de setembro de 2008

O Valor do Tempo


O que sentir, o que conhecer, o que perceber, o que refletir, mudanças, isso mesmo, mudanças! Talvez todas essas atividades no íntimo do Ser, sejam passíveis de mudanças. Entretanto, o mais impressionante é a percepção que toda mudança está aliada a um enigmático valor temporal. Tempo? O que seria? Muitos costumam argumentar que talvez não seja essa a pergunta correta. Mas como fazê-la? Será mesmo que o valor atribuído ao tempo está condicionado ao sentido associado ao mesmo? Creio estar adentrando num labirinto que cresce infinitamente em todas as direções, mas, pensando melhor, não será a nossa vida em termos de essência um infinito labirinto?
A percepção que temos da vida, e do tempo está repleta de pluralidades, aspecto com um ar de normalidade: tomamos caminhos distintos neste labirinto, adequamos este a uma realidade individual que minimize as nossas dores, dificuldades e os nossos anseios.
De modo simultâneo, todos os eventos que tomam forma em nosso pensar e, não obstante, constitui a dinâmica interna de uma fração diminuta deste labirinto, são submetidos a uma espécie de segregação temporal. Surgem, pois, as noções de passado, presente e futuro. Admito que apesar de citar a existência de um processo de segregação temporal, ainda não o entendo por completo. Sendo um pouco mais modesto, creio não saber grande parte da sua significância. Aliás, reflito bastante acerca da essência desta segregação temporal, será ela parte de uma ordem natural ou simplesmente uma idealização humana? Apesar das inconstâncias, as quais envolvem tal processo, penso que a partir do instante que fornecemos um valor ao tempo e, conseqüentemente, ao passado, ao presente e ao futuro, condicionamos o inderterminismo, ou melhor, a incerteza natural da nossa realidade particular, a um mórbido determinismo representado por um ciclo vicioso, onde todas as nossas ações estão de algumas maneiras correlacionadas temporalmente. É como estabelecer e permitir ações presentes, condicionadas a frustrações ou angústias passadas e traçar projeções futuras em relação a estas ações presentes e, portanto, as condicionarem também as já citadas frustrações ou angústias passadas. Em outras palavras, podemos intuir a inexistência de padrões morais absolutos, atestando de maneira lógica as limitações decorrentes de todas as concepções determinísticas que nutrem o seio social, incluindo a nossa idéia de tempo.
Vale ressaltar que há muitos séculos somos educados sob perspectivas fatalistas, principalmente aquelas pregadas pelas religiões tradicionais (as quais costumo chamar de “religiões do terror”), segundo as quais o homem deve de modo incontestável se curvar aos caminhos pré-determinados por Deus. Não me encontro em situação intelectual compatível a uma análise profunda acerca dos paradigmas que caracterizam as religiões tradicionais, apenas quero levá-los à reflexão de que talvez, essa seja mais uma forma de dominação do Ser pelo Ser. Um ideal de dominação extremamente eficaz, que põe diante dos “tolos”, paradoxos aparentemente intermináveis, como o medo da passagem do tempo e o anseio doloroso pelo futuro.
Não tenho a pretensão de atribuir todas às idéias propostas acima, às também limitadas evidências científicas. Entretanto, algumas exemplificações que atuam no âmbito científico, podem desempenhar grande papel em torno do nosso entendimento.
Na história da Ciência é comum a mutabilidade das idéias e com ela evidenciamos o surgimento de novas teorias, novas diretrizes, novas descobertas. O intrigante se expressa pelo fato dessas “novas teorias”, não serem, em geral, novas. Mas sim, mesmo que discretamente, uma extensão de idéias antigas já propostas. Os mitos de criação de civilizações remotas, expressões de suas culturas, já continham percepções atuais de modelos cosmológicos a partir da possibilidade de um Universo estacionário, em expansão, contração ou até mesmo em pulsação. O sistema heliocêntrico de Nicolau Copérnico (1473-1543), já havia sido proposto milênios antes pelo pré-socrático, Aristarco de Samos(310 a.C. 230 a. C.). Sir Isaac Newton(1643-1727), grande matemático e filósofo natural britânico, responsável pela formulação das três “Leis do Movimento” e da Lei da Gravitação Universal, as quais regem o que denominamos atualmente de Física Clássica ou Newtoniana, exímio esotérico e místico, entusiasta da arte alquímica, possivelmente se inspirou nas concepções desta última, para dar significância à sua intuição acerca da gravidade. Estes poucos exemplos (dentre muitos), de forma modesta, evidenciam o caráter cíclico do nosso pensar, uma evidência perturbadora de que os nossos pensamentos e reflexões, talvez estejam absolutamente condicionados ao passado, de forma que as elucubrações presentes e futuras estarão eventualmente limitadas.
É ainda importante observarmos que a nossa percepção clássica do tempo depara-se com uma enorme barreira, quando a aplicamos no universo microscópico. A realidade microscópica sob uma perspectiva física apresenta comportamentos e uma fenomenologia bizarra, se comparada às nossas experiências macroscópicas cotidianas. Quando nos remetemos e estudamos a essência material de todas as coisas, ou melhor, a estrutura da matéria, o universo das partículas subatômicas e seus sistemas, definitivamente somos acometidos de uma surpresa (os teólogos dogmáticos chamariam isso de heresia!): simplesmente todo o determinismo envolto nas concepções de espaço-tempo, perde completamente o seu sentido. Passamos então, neste domínio microscópio ou quântico, a conviver com a incerteza e a indeterminação dos parâmetros físico-matemáticos que o descrevem. Porém, o que tudo isso significa? Essencialmente, que algumas ambições humanas, como o entendimento unificado do Universo matematicamente descrito, são ameaçadas, apesar dos séculos de esforços das Ciências em torno de tal compreensão. Entretanto, o mais impactante é que somos postos em face de uma profunda limitação, não só intelectual, mas para aqueles que a valorizam, uma limitação espiritual. O contraste é evidente. Por que, os comportamentos que regem a nossa realidade microscópica e macroscópica são tão distintos, já que elas fazem parte de uma única ordem universal? Serão as nossas conceituações e significações, incluindo nestas a cega valorização temporal, a fonte das problemáticas?
Apesar do caráter paradoxal dos questionamentos anteriormente descritos, continuamos a percorrer o sinuoso caminho apontado pela nossa razão, intuição, fé, entre outros aspectos que condicionam as vontades humanas. Talvez aquele que seja alheio as noções temporais, possa estabelecer naturalmente uma perfeita sincronia com a música e a dança do Cosmos, com o sutil caráter subjetivo e incerto deste último. Este Ser se encontra, pois, em um nível de harmonia interna e externa que o leva aos íntimos segredos da dinâmica do fluxo cósmico ou universal. Contudo, não excluo a possibilidade da Natureza estar brincando conosco, afinal ela é, definitivamente, mais esperta. Deus pode estar somente jogando dados com o Universo!

29 de agosto de 2008, Raphael Lisboa.
Estudante de Física da UFBA e estagiário do Programa Social de Educação, Vocação e Divulgação Científica da UFBA

2 comentários:

Anônimo disse...

"O tempo... ah! O tempo!"

Ótimo texto!

Anônimo disse...

Parabéns, Raphael!

Poucas vezes, li um artigo tão profundo a respeito do tempo! Está muito bom!

Particularmente, acredito que, assim como criamos nomes para categorizar as coisas (afinal isso nos dá uma sensação de ‘controle’ e ‘poder’ sobre elas), criamos o ‘tempo’ para explicar porque as coisas findam. Talvez esse ‘tempo’ exista mesmo, afinal, existem tantas coisas que fogem ao meu conhecimento que não me arrisco a ser taxativamente ‘contra’ a sua existência, mas eu acredito que nós seres humanos, ditos racionais, nos prendemos a esse ‘tempo’ de tal forma que isso nos faz viver ‘presos’ aos acontecimentos do passado e traçar metas para o futuro (que nem sequer existe – ou existe?) e, por isso, concordo plenamente com você, algumas pessoas foram ‘safas’ e transformaram o ‘tempo’ em “mais uma forma de dominação do Ser pelo Ser”.

Será mesmo que “os comportamentos que regem a nossa realidade microscópica e macroscópica são tão distintos”? Ou estamos tão presos ao paradigma cartesiano do “isso ou aquilo” que não conseguimos conceber a existência de uma outra explicação por achá-la absurda? Acredito que a segunda é a mais correta.