quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Reflita sobre isso: Você acredita em anjos?

O Pergaminho traz hoje uma convidada especial para inaugurar o nosso novo quadro: Reflita sobre isso. Conhecida em nosso Jornal Online por trazer mensalmente informações histórico-sociais, além de poemas e poesias em seus belos calendários, a profª Rosely Lira também aparece ocasionalmente por aqui com mensagens que estimulam à reflexão. Vejamos então a mensagem de hoje. Reflita sobre isso:

Você acredita em anjos?
Por Rosely Lira


O trânsito de Salvador está uma loucura. Isso é fato. Nós ficamos presos aos engarrafamentos sem nenhuma possibilidade de fugir e isso é estressante. Para não desencadearmos um processo de loucura coletiva, precisamos achar uma solução e eu encontrei a minha: como não posso ler enquanto dirijo, ouço música ou um programa numa rádio. Isso me distrai porque muda o meu pensamento para outra direção e dá a impressão de que o tempo passa mais rápido.

Hoje, quinta-feira, 08/07/2010, resolvi ouvir o Programa Sintonia, com José Medrado, enquanto voltava para o trabalho após o almoço. Eu gosto de ouvir uma abordagem diferente do Espiritismo e a participação dos ouvintes. Já peguei o programa no meio e, em um dado momento, uma ouvinte mandou uma mensagem dizendo estava desesperada porque estava grávida de 04 meses e que pensava em abortar, porque não tinha condições de ter aquela criança. Medrado disse-lhe que não iria incentivar o aborto e que ela deveria refletir sobre a situação e o porquê de não ter tomado os cuidados necessários. Só que não foi isso que me chamou a atenção. Em dado momento, Medrado fez alguns questionamentos e disse “será que essa criança não vai ser um divisor de águas na sua vida?”. Essa frase não me saiu mais da cabeça.

Segunda ou terça-feira dessa semana liguei a TV à noite e estava passando ‘O último Rei da Escócia’ (The Last King of Scotland, 2006, direção de Kevin Mcdonald) e mais uma vez não vi esse filme do começo ao fim, apesar de já ter visto diversos trechos. Só que nessa semana vi partes que nunca havia visto que mostram o envolvimento do jovem médico escocês, médico particular do ditador, com a esposa mais jovem de Idi Amim Dada Oumee (ditador de Uganda no período de 1971-79, admirador de Adolf Hitler, lunático cruel e responsável pela morte de milhares de ugandenses, também conhecido como ‘o açougueiro de Kampala’). As consequências desse envolvimento resultaram na morte violenta da jovem esposa e na tortura desse médico, que foi pendurado por ganchos enfiados em seu peito pelos seguidores fanáticos de Idi Amim, que executavam as suas ordens entre sorrisos. A covardia e loucura de Idi Amim e a crueldade sádica dos seus ‘capangas’ me chocaram, mas felizmente guardei na lembrança uma parte do filme onde um dos homens que assiste à tortura do médico escocês (que está entre os reféns de um vôo que havia sido seqüestrado) entra na sala onde o médico está ensanguentado e praticamente desacordado, aplica-lhe um sedativo, faz um curativo, enxuga o seu rosto, arruma a sua roupa e dá um jeito de colocá-lo no avião que vai decolar rumo a Paris. Esse homem sabe que não terá salvação após ser descoberto como cúmplice da fuga do médico, mas diz que ele Uganda estão cansados de tanto ódio e que o destino dele está nas mãos de Deus. A única coisa que ele pediu em troca foi que o médico contasse ao mundo quem era Idi Amin Dada e que alertasse as autoridades mundiais sobre as atrocidades que estavam acontecendo no seu país. Ficção à parte, o importante é que a tirania de Idi Amin Dada acabou em 1979 e ele, infelizmente, recebeu asilo na Arábia Saudita, onde permaneceu até a sua morte (em 2003), sem chances de retornar ao país banhado pelo sangue derramado como consequência sua crueldade durante os oito anos de sua ditadura. Para que essa história tivesse esse final, dezenas de pessoas devem ter arriscado suas vidas em prol de outras que estavam condenadas à morte, mas que se sobrevivessem, teriam condições de lutar por mudanças, tal como fez o personagem do filme que colaborou na fuga do médico escocês.

Hoje à tarde estava lendo sobre o Holocausto e tive a oportunidade de assistir a dois excelentes documentários sobre a ascensão e queda de Hitler, mostrando com relatos e imagens como tudo foi construído por esse megalomaníaco cruel, apoiado por outros fanáticos, com base em interpretações esdrúxulas do conhecimento esotérico, aperfeiçoando um discurso convincente a ser feito por uma pessoa com problemas psicológicos graves para hipnotizar milhares de pessoas, tornando-as seguidoras cegas e capazes de dar as suas vidas em troca da manutenção do nazismo. O que mais me chamou a atenção, mais uma vez, não foram as atrocidades cometidas, mas os relatos dos sobreviventes do Holocausto que optaram pela vida e mantiveram a esperança numa condição em que a morte seria a escolha mais sensata, num cenário sem solução em curto espaço de tempo. Muitos desses sobreviventes se apoiaram em pessoas que também poderiam ser executadas se fossem descobertas, mas que arriscaram as suas vidas para salvar a vida de uma ou de mais pessoas.


Eu não acredito em anjos, pelo menos naqueles anjos com asas e sentados sobre nuvens de algodão. No entanto, eu acredito em pessoas que surgem apenas para fazer o papel de anjos (de protetores), dando uma palavra amiga, enxugando uma lágrima, oferecendo um conselho que acorde alguém em desespero ou mesmo que a ‘carregue’ durante as fases mais críticas, até que seu protegido seja capaz de seguir o seu caminho com recursos próprios. São os ‘divisores de águas’ nas nossas vidas, como Medrado sinalizou que poderia ser o filho da ouvinte desesperada, uma pessoa que não nos deixa desistir ou que pega na nossa mão, desviando-nos para um sentido de crescimento, quando o sofrimento e o desespero impedem que a gente enxergue um sentido para nossa vida.

Há alguns meses estava conversando com Rejâne (minha irmã que é bióloga) sobre a crueldade de algumas pessoas e ela me disse que “a violência é natural do ser humano”, que isto está comprovado na própria história de evolução da espécie e na história de todas as guerras e conquistas pelo poder. Sei que os fatos não negam que a violência é inerente ao ser humano, mas não consigo achar natural que a gente veja o sofrimento dos outros, as diferenças sociais e a violência em que vivemos sem fazer nada. Se possuo em mim essa crueldade inerente à minha espécie, penso que tenho que aprender a não deixar que isso aflore. Precisamos parar com esse individualismo e covardia, mudando os paradigmas e plantando essas sementes nas pessoas mais jovens. Sementes de condescendência e compaixão por aqueles que sofrem. Hitler não treinava os alemães ‘puros’ desde cedo para lhes obedecer cegamente e não funcionava? Por que não podemos deixar de ser apenas ‘anjos’ para os nossos próprios filhos e nos tornar ‘divisores de águas’ para outras pessoas, ao menos para uma pessoa que não faz parte da nossa família ou do nosso ciclo de amigos. Certamente, chegaram pessoas desesperadas perto de você e você não quis se expor ou se envolver e deixou de dar um momento de atenção, um conselho ou uma atitude de compreensão, imaginado que aqueles não eram problemas seus e que aquelas eram pessoas por cujo sofrimento você não era responsável. Pode ter ocorrido, também, outra situação em que você era a única esperança de uma pessoa, mas você se acovardou por insegurança ou medo. Tomou a sua decisão de não se envolver e assistiu de longe o desenrolar da história.

Eu não tive histórias graves na minha vida até hoje e sou muito grata por isso, mas nos momentos de desespero que passei sempre tive a ajuda de alguém desse ou de outro plano que me fez acreditar que era preciso manter a esperança e a firmeza e que nenhum sofrimento dura para sempre. Aceitei a mão amiga e me recuperei até conseguir seguir com meus próprios passos.

Cada vez mais acredito, ao ver as previsões de desastres mundiais ou lendo a história do mundo e das atuais catástrofes climáticas que estão ocorrendo, que a tragédia e o sofrimento coletivo expulsam o anjo ou o demônio que temos adormecidos internamente, a depender de quem somos de fato e o que realmente carregamos em nossas almas e torço para que as atuais e futuras tragédias revelem muito mais anjos do que demônios, numa forma de fazer sobreviver na maioria aqueles que tenham vontade sincera de mudar a realidade de individualismo e injustiça na qual vivemos.

Você tem relatos de ‘anjos’ ou de ‘divisores de águas’ na sua vida ou conhece um relato importante? Então mande para que a gente divulgue essas histórias, de forma a mostrar que sempre aparece alguém no momento em que tudo nos leva a crer que chegamos ao fim. A esperança não pode morrer e o sofrimento do outro tem que servir de exemplo para que não provoquemos mais dor e sofrimento em um futuro que eu não sei quando virá, mas que virá. Eu vou dar a partida, divulgando o texto “A Garota com a Maçã”, de Herman Rosemblat, sobrevivente do Holocausto. (Confira no link.)

Até a próxima oportunidade!

Rosely Lira (contato: roselyclira@yahoo.com.br)

Um comentário:

Anônimo disse...

eu li sua postagem sobre o ultimo rei da escócia, acabei d assistir ao filme e estava pesquisando sobre, e é realmente admirável essa parte do filme q vc descreveu, essa pessoa q ajuda o médico escocês a fugir é um médico ugandense q trabalhava com o médico escocês!