terça-feira, 4 de agosto de 2009

Liberdade – uma homenagem aos meus pais e a Giordano Bruno

Liberdade, segundo os dicionários, significa “estado de pessoa livre e isenta de restrição externa ou coação física ou moral”.

Apesar de ser mulher, nordestina e filha de pais pernambucanos de cidades do interior, recebi como dádiva a liberdade para pensar, escolher e agir, mesmo não sendo desobrigada das consequências das minhas ações. Seguindo o destino de milhares de nordestinos, meus pais apenas puderam concluir o Ensino Médio por terem que se dedicar à criação de quatro filhos, consequência de terem casado muito novos. À minha mãe recaíram as responsabilidades e afazeres típicos de uma dona de casa e ao meu pai coube a responsabilidade pela manutenção financeira da família. Uma pena, pois são pessoas de senso crítico raro e de inteligências privilegiadas. Por serem pessoas raras, não se limitaram às imposições da época e transpuseram essas limitações através de ações voltadas às suas sedes particulares de conhecimento. Meu pai continuou a sua busca incessante pela parte técnica, acabando por dominar a área da manutenção, especialmente de grandes máquinas, e a minha mãe, por se limitar ao ambiente doméstico, cultivou o hábito diário da leitura. Enquanto lia, se mantinha atualizada e se transportava para outras realidades, obrigando-a a reflexão. Como resultado de compartilhar a sua leitura conosco, também despertou nos filhos o prazer pela leitura e o hábito de exposição do ponto de vista, que é uma coisa absolutamente individual e que pressupõe o respeito.


Por que citei meus pais e a minha história? Porque estou pensando em liberdade e, consequentemente, na privação da liberdade. Comparo os meus pais, a minha geração com a geração dos meus filhos e com os que estão um pouco mais velhos e é impossível não me perguntar o que houve para explicar modificações tão bruscas.


Penso que os jovens brasileiros estão privados da liberdade de forma bem sutil e pouco explícita, diferente da privação provocada pelo medo e crueldade da Inquisição, da repressão durante o período da Ditadura aqui no Brasil ou mesmo pelo terror imposto pelos conflitos no Congo e no Sudão, que estão vitimando milhares de pessoas nesse exato momento e, por serem países africanos pouco interessantes por hora, nem temos acessos a maiores informações, apesar de estar acontecendo a Copa das Confederações na África do Sul e da imprensa e fãs do futebol do mundo todo estarem contando os meses para a Copa do Mundo de 2010. Pergunto o que houve a essas jovens vítimas da banalização da educação no nosso país e do efeito cascata que isso provoca que têm uma falsa ideia de que são livres. Será que têm noção de que, na maioria das vezes apenas absorvem informações e modelos tal como foram transmitidos porque foram condicionados a não se manifestar, não questionar e não reagir às coisas mais absurdas (como não ter aulas de português no Ensino Médio ou de receberem os conteúdos obrigatórios de Filosofia ou Sociologia por professores que sequer sabem o significado dessas ciências)? Será que questionam o fato de se reproduzirem como cidadãos “livres”, mas cegos para questões importantes e sem consciência para reverter essa situação através do voto consciente, por exemplo? Será que se apoiam nessa falsa ideia de liberdade como quem encontra uma zona de conforto e se acomoda? Por que ignoram o passado com a mesma facilidade com que absorvem as músicas com letras de gosto duvidoso e se mantêm na letargia?


Diferentemente dos jovens de quatrocentos anos atrás (do período da Inquisição) ou do período da Ditadura (como os meus pais) por que vemos em nosso meio tão poucos exemplos de coragem para transpor as limitações? Penso, mais uma vez, que tudo está relacionado à educação... Meus pais relatam que tiveram na sua grade de disciplinas o latim e o francês... Se não tiveram oportunidade na escola para expor os seus pontos de vista e não conseguiram produzir conhecimento ou agir de forma a representarem a juventude engajada social e politicamente da sua geração, transpuseram os seus limites alcançando patamares que nem eram imagináveis para eles e plantaram nos filhos sementes de coragem e de liberdade de pensamento e de expressão. Mais uma vez, penso que isso está relacionado com a educação... Se tiveram acesso à educação básica de qualidade absorveram conhecimentos sólidos que lhes proporcionaram a reflexão e o pensamento crítico.


Voltando à minha família tive a felicidade de receber emprestado de Rejâne o livro “O alquimista – a viagem iniciática de um jovem químico e o segredo de Giordano Bruno”, de Jorge Angel Livraga. Esse livro me concedeu momentos fantásticos, pois a leitura me joga literalmente no tempo e no espaço relatado, me contaminando o pensamento e até os sonhos. Então a história de Giordano Bruno como pano de fundo desse romance histórico me fez rever o conceito de liberdade e me fortaleceu a ideia de que tudo o que vivemos está mesmo relacionado com a educação (mais apropriado agora também chamar de conhecimento).


Infelizmente, ainda se divulga equivocadamente até no Ensino Superior e em algumas fontes bibliográficas que Giordano Bruno foi condenado à fogueira pela Inquisição por apoiar as ideias de Nicolau Copérnico (Mikołaj Kopernik – nasceu em 19/02/1473, Polônia – faleceu em 24/05/1543, Torum – foi astrônomo, médico, matemático e desenvolveu a Teoria Heliocêntrica do Sistema Solar), mas a verdadeira história é um pouco diferente e não tão superficial como pensam.


Giordano Bruno (Filippo Bruno – nasceu em 1548, Nola, Itália e morreu queimado vivo na fogueira da Inquisição em 17/02/1600 – Campo de Fiori, Roma, Itália). Também conhecido como Nolano, Giordano Bruno ingressou no Convento Dominicano São Domingos com cerca de quinze anos. Desde essa época chamou a atenção dos superiores pelo seu espírito rebelde . Em 1567 (aos 19 anos) sofreu a primeira acusação, pois divulgava as suas ideias inovadoras e as suas inquietações aos demais jovens do Convento. Em 1576 (aos 28 anos) surgiram suspeitas de heresia e foi instaurado um segundo processo. Por conta disso e de outros acontecimentos no Convento, Giordano Bruno fugiu de Roma para Genebra (Suiça). Giordano Bruno era irreverente e questionador (características pouco admiradas na época) e bebeu de fontes nada convencionais, como as produzidas por filósofos herméticos como Hermes Trimegistrus (considerado o mais antigo dos sábios, o que escreveu a Tábua de Esmeralda, escritura obrigatória para os que estudam Alquimia) e estudou a mitologia antiga. Peregrinou pela França, onde recusou-se a lecionar a disciplina de Filosofia na Sorbonne (antiga Universidade de Paris, fundada em 1257). Foi para Inglaterra, onde combateu os ortodoxos de Oxford (Universidade de Oxford, fundada em 998) através da promoção de debates. Em 1586 (aos 38 anos) viajou para a Alemanha e, em 1591 (aos 43 anos) chegou em Veneza, Itália, onde foi denunciado para o Santo Ofício por Giovanni Morceguino, “nobre” comerciante que vingou-se por ter recebido a recusa de Giordano Bruno para ensinar-lhe a arte da memória (pois desenvolveu métodos baseados nos ensinamentos de Raimundo Lúlio - na verdade Ramon Llull – nascido em 1232, Palma de Maiorca – falecido em 1316. Escritor, poeta, filósofo, missionário e teólogo), pois tinha como propósito obter benefícios de outras pessoas. Naquela época bastava uma denúncia de uma pessoa “influente” para que um suspeito fosse preso e acusado dos mais diversos crimes e, no caso de Giordano Bruno, já lhe pesavam as antigas acusações do Convento de São Domingos. No dia 23 de maio de 1592 (aos 44 anos) foi preso e encarcerado, permanecendo em Veneza até o ano de 1593 (aos 44 anos), quando foi transferido para Roma, Itália, sendo queimado vivo na Fogueira, percorrendo as ruas ainda amordaçado.


As obras de Giordano Bruno são muitas e permaneceram no Index (lista dos livros proibidos) da Igreja Católica até o ano de 1963. Dentre elas estão: Spaccio, A Comédia Candelaio, De lampade combinatoria lulliana, Oratio veledictoria, Lampas triginta statuarum, De umbris idearum, De magia mathematica, Medicina lulliana, De la causa principio et uno, cabala del Cavallo Pagaseo con l’aggiunta dell’Asino cillenico e Oratio consolatoria.


Caracterizam o pensamento de Giordano Bruno, segundo Santos, P. Lessa: “Bruno era um pensador plural, preocupado em reformar a humanidade; sua pretensão era construir uma Nova Religião, um retorno à Ética e Religião egípcias; ... O Filósofo andarilho constrói a sua teoria do conhecimento revisitando os antigos tratados, que se difundiram por toda Europa, através de suas traduções feitas por filósofos herméticos, para ver em Copérnico a antiga verdade egípcia renascer. Seus escritos são de estilo clássico, neopitagórico e neoplatônico, em forma de diálogos e poemas, unindo, lirismo a uma filosofia da Imagem, do Símbolo. A antiga mitologia tem aqui seus últimos suspiros, analogamente a sua exposição conceitual, que em nada podemos associar à futura adesão filosófica ao racionalismo.”


Ainda segundo Santos, P. Lessa: “Apaixonante, sábio e lúcido, Bruno precisou ser calado, torturado durante oito longos anos, que vão de 1592 a 1600. Este filósofo foi uma das mentes mais brilhantes que nossa história registrou.”


A professora Dra. Eliana Moura Silva, da UNICAMP, ressalta: “Sua obra, ao contrário do que foi interpretado pelos ilustrados do século XVIII e positivistas do século XIX, não refletem o conhecimento de um mártir da Ciência Moderna ou um revolucionário das ideias sociais. Ao contrário, são um tributo ao pensamento mágico e visionário, ao hermetismo na sua feição egípcia, ao neoplatonismo paracristão, ao cabalismo e esoterísmo típicos da Renascença. Em Bruno, o pensamento filosófico foi uma empresa mágica: especular filosoficamente era, para Bruno, trabalhar em busca da compreensão das correspondências entre signos mágicos e astrais, alcançar a verdadeira simpatia universal entre as coisas.”


Giordano Bruno teve algumas oportunidades de abjurar (do latim abjurare – que significa renunciar pública e/ou solenemente a ; abandonar a religião que antes professava), o que não o fez como outros filósofos e cientistas da sua época, mas essa era uma característica nada humilde da sua personalidade. Afinal, o orgulho e a soberba são marcas comuns às pessoas especiais em qualquer época da humanidade. Quais as heresias tão graves atribuídas a Giordano Bruno? Dentre elas, ele acreditava na imortalidade da alma, na pluralidade dos mundos, acreditava que Deus estava em todas as criaturas do Universo, não acreditava que a Terra era o centro do Universo, não acreditava na concepção de Cristo pelo espírito Santo e, principalmente, não escondia o que pensava e defendia o seu ponto de vista e o seu conhecimento, mesmo na última oportunidade. Para conseguir favores e proteção não vendia o seu conhecimento a pessoas como Morceguino, que sequer demonstrava capacidade intelectual para aplicá-lo de alguma forma. Demonstrava lealdade, dignidade e um tipo de controle espiritual, mesmo a caminho da fogueira com a língua já arrancada, que realmente deveria amendrontar os covardes de toda natureza.


Trouxe essas histórias para demonstrar que sempre existiu e sempre existirá privação de liberdade, seja de que natureza for, mas penso a mola que move os que transpõem essas barreiras seja talvez um componente interno, que é acionado quase sempre muito cedo e, que na maioria das vezes, seja necessário um estímulo externo - o conhecimento (educação). Apenas seguros, embasados e convictos das suas próprias ideias esses ícones demonstraram que pagaram muitas vezes com a própria vida o preço da exposição, da publicação dos livros ou da divulgação das suas ideias. Tornaram-se imortais, portanto livres, mesmo só sendo entendidos e respeitados muitos séculos depois. Como sempre fico com a impressão de que essas pessoas que provocaram (e as que ainda provocam) tantos impactos nos outros e na sociedade de uma forma a quererem expurgá-los a qualquer custo chegaram um pouquinho mais cedo do que os demais, apenas para plantar as suas sementes.


Pergunto-me se não estão os nossos jovens mergulhados nas trevas, tal como no período da Inquisição, fanatizados por tantas ideias, modelos e ícones. Falsos, mas cômodos, impostos pelos nossos governantes e pela mídia. Jovens que assistem inertes a todo esse caos na política, na saúde, na educação tal como os medievais assistiam a cada espetáculo na fogueira... Me inquieta o fato dos medievais não terem tido acesso ao conteúdo dos julgamentos, não terem tido acesso ao conhecimento (só poucos tinham esse privilégio), não terem tido recursos para reagir e se tornaram presas fáceis e por isso se apoiaram no medo e se recolheram. Os nossos jovens têm acesso à educação (estamos em plena época do conhecimento livre), mas será que aproveitam esses recursos de maneira crítica? Por que, então, continuam presas fáceis e manipuláveis?


Para encerrar compartilho com vocês trechos contendo imagens do filme italiano “Giordano Bruno”, de 1973, de Giuliano Montaldo. Além contemplar o trabalho brilhante do ator Gian Maria Volonte, no papel de Giordano Bruno, é uma oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a Inquisição, mas acima de qualquer coisa penso ser importante ser chocado pelas cenas cruéis que reproduzem o comportamento humano daqueles que quiseram manter o poder e a autoridade a qualquer custo e não se importaram em fazer vítimas inocentes, calaram, humilharam, aterrorizaram e impediram o crescimento através da privação da liberdade daqueles que os “ameaçaram” que, com o apoio da ignorância dos fanáticos que sempre se acomodaram e se amedrontaram diante do novo também serviram de lenha para queimar aqueles que podiam, na verdade, salvá-los da sua própria ignorância. Felizmente, como tudo nesse Universo é perfeito, a fogueira não extinguiu as bruxas, os cientistas, os filósofos, os alquimistas, os epiléticos e outros tantos diferentes fazendo com que eles sumissem por completo e parecessem nunca terem existido. Para a surpresa deles, a fumaça exalada daqueles corpos e as cinzas jogadas nos quatro pontos cardeais espalharam suas ideias por outros mundos e se perpetuaram através das gerações. É importante ver para não esquecer jamais como o poder pode ser cruel, mas é importante acordar os nossos filhos para que nunca mais precisemos de mártires, mas que sejamos cada um, engrenagem no processo de mudança que tanto se faz necessário. Afinal, enquanto o medo e a ignorância nos aprisionam, o conhecimento nos torna fortes, nos consola e nos liberta.


Rosely Lira é Bacharel em Química, formada pela UFBA e atualmente coordena os Laboratórios de Saúde e Engenharia da UNIJORGE - Centro Universitário Jorge Amado. Contatos: roselyclira@yahoo.com.br.


Trechos do Filme “Giordano Bruno”, de Giuliano Montaldo, 1973:

http://www.youtube.com/watch?v=Lr2wXWxpB2U

http://www.youtube.com/watch?v=oWmiE_waVyk

domingo, 2 de agosto de 2009

Atividade de Campo em museus da UNIME


No mês de junho, a atividade de campo do Ciência, Arte & Magia foram dois Museus da UNIME. Quinze estudantes selecionados dos centros de ciências visitaram o local rico em informações e pronto para aprendizagem. Os estudantes visitaram o Laboratório de Anatomia Animal e o de Anatomia Humana. Encontraram animais taxidermizados, mumificados e esqueletos completos de animais, além de alguns modelos de partes do corpo humano e também partes originais mumificadas. De acordo com a professora Bárbara Rosemar, Coordenadora do centro Alfredo Magalhães, os alunos ficaram satisfeitos com a visitação: “Eles ficaram particularmente encantados com o Museu de Anatomia Humana”. Veja mais fotos: